Segurei a sua mão e esperei até que a ambulância chegasse, hora vendo a persiana se mover na janela, hora observando seu peito se movimentar enquanto ele respirava. KURT POV - ONE-SHOT. Tema adulto, menções leves mas presentes. Romance? Talvez. Acho que seria PG-13 mas eu sou paranóica, então...
Na verdade eu n�o o conhe�o.
N�o sei exatamente quantos anos ele tem ou o que gosta de fazer nas horas vagas. N�o sei sua cor preferida, os lugares que ele gosta de ir, as m�sicas que o fazem dan�ar sem se importar se algu�m est� olhando, sua comida preferida e o que ele sempre pede pra beber quando se encontra com os amigos. Eu nem sei se ele gosta sair � noite ou se ele prefere o dia, se ele gosta de caminhar ou se prefere ler enquanto chove. Que faculdade ele fez, se ele realmente gosta do seu trabalho, se j� pensou em mudar a cor do cabelo, se prefere McQueen como eu ou se � adepto ao jeans-mais-camisa-e-sapato habitual. Eu realmente n�o sei nada disso. Ser� que ele � de c�ncer? Ou Talvez escorpi�o? Talvez ele n�o acredite em hor�scopos, talvez n�o acredite em Deus como eu, talvez prefira Buda ou ent�o Plat�o.
Hoje ele pode ter acordado e tomado caf� normalmente.
Ele pode ter ido ao Starbucks na rua de baixo, sentido o cheiro da massa quente no forno, ter falado com o atendente enquanto pediu seu caf�, ter voltado pra casa decorando os detalhes do caminho curto at� seu pr�dio pela �ltima vez e dado bom dia a senhora do s�timo andar. Ele pode ter lido uma revista velha depois do almo�o e de um banho gelado. Pode ter olhado pela janela com seu ch� quente quando a noite come�ava a aparecer no horizonte. Pode ter pensado em sua vida ou pode n�o ter pensado em nada.
Ele pode por outro lado, nem ter desejado acordar essa manh�. Pode ter ficado tarde e ele tenha preparado seu caf� na hora do almo�o enquanto procurava algo interessante na televis�o. Ele pode ter bebido a ultima cerveja que havia na geladeira, passado o dedo na Nutella sem medo do dia seguinte e voltado pra cama, escondendo-se nos len��is. Talvez ele tenha ficado ali o resto da tarde. Talvez ele tenha chorado, ou pelo contr�rio, talvez ele tivesse sorrido. Talvez ele n�o estivesse triste por que ele n�o parecia triste quando o vi pela primeira vez. Ele parecia em paz. E foi estranho porque eu nunca pensei que ficaria t�o assustado ao ver algu�m parecer t�o sereno e calmo na minha vida.
Na verdade eu nem deveria est� aqui. Mas as pessoas ao redor est�o preocupadas demais pra notar que eu ainda estou presente. Melhor assim. Olho pra eles e imagino os momentos que est�o passando por suas cabe�as, os dias que passaram com ele, as conversas, os olhares, sorrisos, as piadas que ele contava ou como seu rosto ficava quando as l�grimas caiam. Desde o problema de cora��o do meu pai eu n�o piso em hospitais e eles continuam t�o desagrad�veis quanto daquela vez. Nunca vou me acostumar com a atmosfera de um lugar desses.
Estamos todos t�o p�lidos quanto resto da sala de espera, o que com certeza n�o era dif�cil pra mim que sempre tive a pele clara demais. Eu olho pra eles e imagino se est�o se sentindo culpados, se � por isso que a m�e dele n�o para de chorar, se � por isso que o pai dele n�o se move da posi��o em que est�, abra�ado a sua esposa. Ou ent�o eles s� n�o querem acreditar, s� nunca imaginaram ou nem mesmo acreditaram quando a recepcionista ligou e contou o que havia acontecido. O rapaz sentado tem o maxilar t�o tenso que eu me pergunto se ele n�o sente dor ou se ele simplesmente escolhe ignor�-la de tanto que se pergunta o que ele poderia ter feito pra ajud�-lo e n�o fez. Ele n�o est� chorando, mas como eu, parece que n�o o faz porque seu corpo de alguma forma se esqueceu dessa que � uma rea��o b�sica em situa��es desse tipo.
As duas mulheres em p�, olhos inchados, celulares na m�o. Pra quantos amigos elas ligaram at� aquela hora? Quantas pessoas devem est� preocupadas agora? Quantas est�o rezando? Quantas se surpreenderam? Quantas o acham imaturo pelo seu gesto? Quantas tem pena dele? Eu n�o tenho. N�o pena. Eu n�o deveria ter, na verdade. Eu nem o conhe�o. Pergunte a cada uma dessas pessoas um simples fato sobre ele e voc� obter� uma resposta. Pergunte pra mim e eu n�o saberei dizer nem ao menos qual a cor dos seus olhos. Mas mesmo assim, mesmo assim, eu n�o vou embora. Mesmo assim eu tenho que ficar e ver se ele est� bem. Eu n�o queria ter que lidar com isso, mas eu sei que eu tenho. Pelo menos at� eu entender que sentimento eu estou tendo agora.
Acho que quando o susto passar eu saberei. J� tive que lidar com a morte antes e com a proximidade dolorosa dela. Acho que passar por isso acordou de algum modo a lembran�a desses sentimentos dentro de mim de modo que eu n�o consigo controlar ou evitar me sentir assim. A realidade � mais que totalmente diferente dessa vez mas a morte em si � igual pra todo mundo, vem pra todo mundo. Logo, n�o deve ser assim t�o estranho que eu ainda esteja sentado aqui, percebendo a fragilidade de nossas mentes e corpos, observando rea��es ou s� evitando elas.
Est� frio, na verdade. Assim como estava o quarto dele quando eu entrei. Estava bem iluminado, as cortinas fechadas, a porta encostada, o ch�o bem encerado e tudo em seu devido lugar. Mas estava frio quando eu entrei, eu lembro. Fui andando pelo aparamento e chamando por algu�m, mas � medida que eu n�o obtinha resposta, eu s� continuava e continuava. Afinal, eu tinha que avisar a algu�m que o cachorro tinha sa�do e corrido escada abaixo. Minhas costas doem agora, mas n�o vou me mexer. Principalmente por que n�o quero chamar aten��o pra mim. N�o que isso venha a acontecer mas � melhor evitar de qualquer modo.
O rapaz levantou e cruzou os bra�os. Parei de olhar pra eles naquele momento pois j� era estranho demais o fato de eu estar ali, um estranho que entrou em cena em suas vidas em um momento como esses. Ent�o esperei olhando pros meus sapatos at� que um doutor apareceu fazendo todo mundo levantar menos eu. Ouvi atentamente o que ele falou, ouvi quando disse que ele n�o estava acordado mas que eles poderiam v�-lo de longe j� que agora ele estava fora de perigo. Perguntei-me de novo o que eu estava fazendo aqui. Voltei aos meus belos sapatos, balan�ando lentamente distantes da minha cadeira, esperando, esperando, esperando, sem saber o que exatamente. Sa�ram pouco tempo depois, falando comigo antes de pegarem o caminho do elevador.
N�o gosto das palavras. Eu quero dizer, � claro que eu gosto, que pensamento idiota, elas s�o t�o respons�veis por nossas vidas e necess�rias quanto o qu�? Respirar, por exemplo. Mas em certas situa��es elas simplesmente s�o �nfimas. Eu prefiro um olhar. Porque ‘obrigado’, por exemplo. … o que dizemos quando o vendedor nos d� a revista que pedimos na banca de jornal, quando recebemos o troco do �nibus, quando nos elogiam ou quando algu�m segura a porta do elevador num dia em que voc� est� atrasado pro teste de elenco no ultimo andar. Ent�o como supostamente um ‘obrigado’ vai significar a gratid�o de algu�m quando outra pessoa salva seu filho de um inc�ndio, acha a cura pra uma doen�a, te tira do mar quando voc� est� sem ar nos pulm�es? Como pesar a equival�ncia da mesma palavra nessas situa��es? De uma �nica forma, acredito eu: com um olhar. Sem nenhuma palavra a mais a m�e daquele rapaz me falou o quanto ela estava agradecida por eu ter chamado os param�dicos quando o encontrei. O quanto ela estava aliviada por esse meu gesto que pra mim seria a coisa mais normal do mundo a se fazer, mas que era pra ela, o que havia ajudado a salvar o que existia de mais precioso na terra. E como eu respondi de maneira a ser suficientemente significativo? Eu a abracei. E ent�o eles foram embora com acenos de cabe�a, olhos vermelhos e esperan�a. Ele estava vivo. Mas certamente ele n�o iria acordar t�o cedo.
Se eu fosse uma pessoa mais compassiva eu teria dado o bilhete que encontrei no seu quarto a m�e dele. Mas mesmo que fosse a coisa certa a fazer, n�o acho que ela iria querer ler algo como isso. Eu nem mesmo sabia se os m�dicos tinham dito se foi um acidente ou n�o. Bom, isso � certamente improv�vel, mas ainda assim. Acho esse conceito comum de que ser bom � fazer a coisa certa todo o tempo muito inconsistente. Se eu n�o errar, como eu vou aprender? E como eu sei o que � certo se eu n�o conhe�o o errado? Porque o que � certo pra voc� pode n�o ser pra mim, ora essa. E eu n�o falo em transgredir leis, burlar normas ou ser um psicopata pra saber disso. Eu falo sobre viver. Minha vida inteira foi uma quest�o de auto-policiamento, de proteger meu espa�o pessoal, de n�o confiar inteiramente nas pessoas. Porque eu tinha que cuidar do meu pai, porque eu tinha que evitar as provoca��es no col�gio, porque eu tinha que atuar duas vezes melhor que os outros rapazes pra garantir que o papel de heterossexual n�o seria menos m�sculo se eu encenasse, porque eu tinha que ensaiar at� esquecer o meu nome para cantar e dan�ar melhor que os outros e conseguir a vaga na faculdade e assim por diante. Por que se eu falhasse em uma dessas coisas, o m�nimo que fosse, as conseq��ncias seriam grandes demais pra que eu pudesse lidar. Mas agora, formado, com meu pai casado e trabalhando naquilo que eu fa�o de melhor, por que raio de motivo eu teria que me preocupar com isso? Por que eu teria que me preocupar em ser perfeito todo o tempo? Em n�o errar? No palco sim, sem sombra de d�vidas. Mas como pessoa, como ser humano? Por qu�? Se � tudo um aprendizado no fim das contas? N�o, n�o vou entregar esse papel a ningu�m. Al�m do mais, esse bilhete n�o � meu. N�o posso dar o que n�o me pertence, certo? Tirei-o do bolso e li mais uma vez.
***
�s vezes eu penso na noite como um outro eu que vem me fazer companhia e me afundar ainda mais na monotonia. Dias iguais, roupas diferentes. Lugares iguais, comidas diferentes. No fim o que � igual se sobressai e o que lhe resta quando voc� olha no espelho? T�dio. J� passei por muitas, j� estou satisfeito. Eu venho pensado sobre isso algumas vezes, eu realmente venho. E eu estou certo que algumas pessoas perceberam. E eu estou certo que elas sempre tentaram me ajudar. Mas me ajudar em que se eu n�o tenho problemas? F�sicos, sociais, financeiros, com meus pais ou amigos. N�o tenho. … s� solid�o. Que eu tenho que confessar: me atrai de certa forma.
Mas ultimamente... Ah, ultimamente. Tenho me comportado diferente comigo. Converso e n�o me entendo. Explico, repito, mas a decis�o tomou-se por conta pr�pria, longe de qualquer artif�cio que eu possa usar para dissuadi-la.
Talvez em uma outra vida, eu venha como um p�ssaro daqueles sem lugar fixo e voe tanto quanto minhas for�as permitirem. Talvez eu venha como um peixe abissal e permane�a na escurid�o causando curiosidade aos pesquisadores e viva at� que um peixe maior me encontre e me torne seu jantar. Talvez eu n�o volte mais, mas talvez e apenas talvez, da pr�xima vez, eu consiga perceber outras coisas que eu n�o vejo agora mas que eu sei que est�o l� fora. Estou cansado demais pra procurar.
Eu nem posso contar o quanto eu sinto muito por isso, m�e, pai, amigos. Eu os amo com a for�a da minha alma. Mas por agora, vou fazer o que � melhor pra mim, o que me far� me sentir melhor.
Foi assim que eu aprendi.
Com amor e pesar,
Blaine.
***
N�o, eu n�o contei o tempo que eu esperei olhando pros meus sapatos, na verdade. S� levantei e fui at� onde eu achava que era o quarto daquele menino que eu tinha visto deitado parecendo t�o tranq�ilo em seu quarto, com um frasco de calmantes vazio na m�o e uma folha de papel no criado mudo. Sinceramente, ele parecia mais velho que eu. Mas alguma coisa nele era t�o jovem e t�o pura, que cham�-lo de menino em pensamento fazia todo o sentido. Entrei sem que ningu�m percebesse. Ele n�o parece t�o bem dessa vez. Est� mais p�lido e tem uma quantidade relativa de parafern�lias m�dicas saindo do seu corpo. Sentei na cama e segurei sua m�o repetindo o gesto que tinha feito mais cedo em sua casa, ap�s ter ligado pra emerg�ncia quando percebi o que estava acontecendo. T�o cedo que j� tinha se tornado ontem. Segurei a sua m�o e esperei at� que a ambul�ncia chegasse, hora vendo a persiana se mover na janela, hora observando seu peito se movimentar enquanto ele respirava. Ele devia ter tomado aquilo pouco tempo antes de eu chegar. Mas n�o sei dizer se naquela hora ele n�o queria abrir os olhos ou ele n�o conseguia mais.
Como ser� que ele se parece quando sorri? Ser� que tem aquelas covinhas no rosto? Ser� que seus olhos ficam apertados e suas bochechas rosadas? Como ser� que ele se parece quando canta com a m�sica no r�dio? Ser� que ele passeia de bicicleta aos domingos ou ele prefere assistir a maratona de alguma s�rie na TV? Ou baseball, como meu pai? Eu aposto que ele prefere doces ao inv�s de massas. Ele tem cara de quem prefere. Espera, tem mesmo? Talvez ele seja vegetariano. Responderia a maciez da pele e a textura do cabelo negro. N�o, acho que isso vem daqueles produtos que ele deve ter no banheiro. Eu gosto de suas sobrancelhas. S�o engra�adas, charmosas. Gosto do modo que a barba dele est�, come�ando a crescer silenciosamente pelo contorno do seu maxilar forte, m�sculo. Ele deve ter olhos claros. Mas tamb�m se forem escuros, vai combinar com sua pele. Ele parece com sua m�e de um modo geral, mas talvez tenha herdado os olhos do pai. Talvez. Ser� que ele escreve em algum lugar? Um di�rio? Um caderno? Eu aposto que sim, sua caligrafia n�o � t�o ruim, � de quem pratica. Ser� que ele tem namorada? N�o parecia ser uma daquelas garotas. Ou namorado, ent�o? Acho que a m�e dele falou alguma coisa sobre isso, sobre um col�gio que ajudou com problemas sobre sua sexualidade, mas eu n�o consigo lembrar exatamente. Estava mais preocupado em ouvir o n�mero do seu quarto.
Eu gostaria que ele visse o que eu vejo quando olho pra ele, o que eu imagino pelo menos, o que acho que ele poderia ser, as coisas boas que ele poderia fazer. Mas acho que isso nunca vai ser poss�vel. Porque ningu�m nunca � capaz de convencer algu�m do seu potencial a menos que a pessoa queira ouvir de cora��o. E n�o s� ouvir, queira acreditar. Queira olhar nos seus olhos e acreditar. Isso soa t�o hip�crita da minha parte, esses discursos que eu nunca acreditei quando falavam pra mim, que chega at� ser engra�ado do jeito mais deprimente que uma coisa possa ser engra�ada nessa vida. Sorri. N�o exatamente, mas eu gosto de pensar que eu sorri.
Espero ter feito a coisa certa quando falei no telefone que havia um rapaz desacordado e aparentemente sofrendo uma overdose de calmantes no meu pr�dio ontem � noite. Porque sem falso moralismo aqui, eu acho que ele deve ter seus motivos e eu n�o sou nada al�m de mais um ser humano que n�o tem nada a ver com as decis�es que as pessoas tomam com respeito a si mesmas. Todos tem o direito de viver e morrer como querem, certo livre arb�trio? N�o � isso que voc� prega? Que seja. Eu espero que n�o tenha sido s� uma das tentativas que ele venha a fazer, eu espero que n�o esteja devolvendo ele a algo pior que a morte, espero que ele n�o me odeie no fim das contas e que algum dia possamos conversar. S� conversar, sabe? Sobre alguma coisa que ele queira. Eu aposto que ele s� precisa de algo assim, de algu�m que se importe de verdade. Mas mais do que isso, ele que precisa se importar consigo mesmo. Ame a voc� mesmo e as pessoas ao redor v�o acabar fazendo isso tamb�m, era o que meu av� dizia. N�o exatamente, mas o sentido era o mesmo. Cada um sabe o que carrega de bom e de ruim, isso � verdade, mas tendo aprendido a tempo que h� sa�das muito melhores do que essa que ele tentou, eu sei que eu poderia ajud�-lo.
Talvez mais do que conversar uma vez, poder�amos tomar um caf� uma tarde dessas. Ou caminhar pela manh�. Ele poderia me ver no palco ou ent�o eu poderia passar no seu trabalho no final do expediente. Ou ent�o, na pior das hip�teses, ele poderia pelo menos me dizer mais que um oi quando nos cruz�ssemos no corredor. Por que talvez ele n�o queira conversar sobre isso com um estranho. Isso seria uma pena. Porque eu n�o o conhe�o, n�o exatamente. Mas o Blaine � agora uma das pessoas que eu mais gosto nesse mundo. Por que somos parecidos? Por que vendo ele aqui me lembra de mim mesmo h� um tempo atr�s? Por que eu posso imaginar o que ele sentiu e o que passou por sua cabe�a quando ele tomou aquelas p�lulas?
Quer dizer, em parte. Por que no meu caso, eu as vomitei antes de qualquer mal estar maior. Por que eu me arrependi antes do meu pai chegar em casa e encontrar seu �nico filho deitado e sem vida no seu quarto decorado com tanto esmero a l� principado de M�naco. Ele reclamou da comida do col�gio e at� amea�ou ir l� no dia seguinte dizendo que o descaso por parte da dire��o era a causa do meu mal estar. E ent�o ele cuidou de mim, perguntou se precisava ir ao m�dico, disse que tudo ia ficar bem. Chorei quase incontrolavelmente aquela noite e nunca fiquei t�o feliz em ter me arrependido a tempo de algo na vida. Se n�o fosse por mim, que fosse por ele, pensei, pelo meu pai. Mas esse rapaz n�o tinha ningu�m por perto pra fazer isso por ele. Ou talvez ele tenha e s� n�o percebeu a tempo e se arrependeu como eu. Mas era mesmo s� por isso que eu ainda estava aqui? Por que somos vizinhos agora que eu me mudei pro seu pr�dio? Por que temos mais coisa em comum do que eu posso imaginar? Por que eu sinto que temos? N�o sei. Mas eu sei que eu tenho uma caneta na minha bolsa.
***
Um p�ssaro, um peixe ou qualquer outro animal, eu tenho que dizer, n�o me parece uma boa id�ia. Nenhum deles � capaz de sentir como n�s sentimos. Seria divertido mas eu aposto que voc� n�o se arrepende da sensa��o no final do seu ultimo livro, da emo��o. Ou depois daquele olhar acompanhado do sorriso de um amigo, daquela cena que te fez rir e chorar ou chorar de tanto rir, ou daquela m�sica que voc� repetiu por tantas vezes que n�o saberia estimar um n�mero correto.
Mas n�o olhe l� fora da pr�xima vez.
Queira ver, queira achar e ent�o, voc� ir�. N�o importa aonde. Talvez o que voc� mais precise esteja dentro de voc�, nessa parte intocada pela noite, que clareia o c�modo ao redor sempre que voc� permite que lhe tome por inteiro. J� procurou a�?
Eu diria que s� tem um jeito realmente bom de voltar, sabe?
E � exatamente desse jeito que voc� voltou. Como o Blaine Anderson. Por que a gente nunca tem tempo suficiente pra viver tudo que a gente pode viver em uma vida s�, pra provar tudo que a gente pode degustar, visitar todos os lugares interessantes, tocar instrumentos que a gente sempre achou dif�cil, rolar na grama como se tivesse doze anos ou tentar roubar aquele cachecol que te fizeram usar no seu ultimo editorial de moda.
(Aprendi que essa ultima n�o da certo ent�o, aconselho que voc� n�o a repita. :)
Aproveita a sua segunda, mas n�o se acostume porque eu acho que essa regra de ter sete vidas vale apenas para os gatos. E ainda assim, h� controv�rsias.
Ali�s, seu cachorro fugiu. Mas tudo bem porque eu vou encontr�-lo.
E na verdade, n�o, voc� n�o conhece o dono dessa caligrafia.
Ent�o, muito prazer, vizinho.
Pode me chamar de Kurt.
***
Dobrei o papel de novo e o devolvi pro seu dono, deixando-o no lugar que a minha pr�pria m�o ocupava junto � dele. Suspirei alto e olhando seu rosto pela �ltima vez, sa� do quarto.
Ele vai ficar bem.
Algo me diz isso.
End Notes: ... um one-shot até que se prove o contrário.Não sei se alguém leu mas obrigado desde já, só precisava mesmo tirar essa idéia da minha cabeça e escrevê-la em algum lugar, sabe como é, né? :bPois bem.Love xx.